Comércio irregular de alimentos prolifera em frente ao ERG1

    Simples barracos de madeira, um ao lado do outro. Faixas com informação de oferta de refeições, lanches e doces. Este é o comércio informal que se formou em frente ao Estaleiro Rio Grande (ERG1). E não é de hoje. Há mais de três anos, pessoas começaram a vender lanches nos portões do estaleiro. Caixas e caixas de isopor eram levadas até o local. Trabalhadores faziam filas na entrada, na saída e nos intervalos do expediente.

    Há pouco mais de dois anos, deu-se um basta neste comércio e eles tiveram que se retirar. Na época, eram 12 os ambulantes. Porém, alguns dias depois, ergueu-se um barraco, novamente defronte ao ERG1, só que do outro lado da BR-392 (a chamada estrada da Barra). Em seguida, foram aumentando para dois, três, quatro, cinco e outros mais. Hoje, há pelo menos 10 estabelecimentos ilegais fornecendo diariamente todo o tipo de alimentos, desde o buffet completo, com saladas e pratos quentes, até doces vindos da cidade vizinha de Pelotas.

    Segundo informações de uma das comerciantes locais, Vera Lúcia Pavelak, “30 famílias sobrevivem hoje deste comércio”. O grande problema é a completa irregularidade com que funciona esta informalidade. E aí existem ao menos duas questões. A primeira irregularidade no que se refere aos alvarás sanitário, expedido pela Vigilância Sanitária, e o de instalação, fornecido pelos bombeiros, é uma. A segunda é a invasão de área pertencente à União.

    Quanto à primeira, alguns comerciantes alegam já terem recebido pelo menos três multas da Vigilância Sanitária, no valor de R$ 750 cada uma. Multas essas que foram recorridas pelo então advogado constituído pelos comerciantes na época, Marcelo Martinelli. Houve também uma ação de retirada, no ano passado, pois estão em área de domínio, pertencente à União. A ação de retirada também foi defendida administrativamente pelo mesmo advogado. E eles continuam no mesmo local. Porém, o defensor frisa que nenhum deles quer permanecer assim. “Eles precisam e querem ser regularizados. Precisam trabalhar, e este é o trabalho deles”, alega.

    No Ministério Público Estadual corre uma ação de investigação iniciada pelo próprio MP, exatamente por ser uma área de domínio da União. “Já enviamos para o Ministério Público Federal esta investigação”, informa o promotor Alexandre Zachia Alan. “Mas isso não quer dizer que os seus produtos não possam ser vendidos ali ou em outro lugar. O problema é que não há licença sanitária e nem alvará de instalação. Se tivessem regularidade poderiam vender seus produtos onde bem quisessem”, explica Zachia Alan.

    O promotor sinaliza ainda que o comércio, no que se refere à parte de alimentos, não poderá permanecer sem os alvarás. “Vamos apertar. Depois de um ano de multa e notificação, continuam no local. O Município já deveria ter ido lá e interditado. Quando a fiscalização recua, acontece isso. O poder público tem que ter um controle quanto a isso. Exercer seu poder de fiscalização. A rigor, quem não atende às normas, tem que ser interditado. Se o Município não interditar, o MP litigará contra o Município no sentido de que a situação se resolva”, aponta.

    Zachia Alan reflete ainda que “isso tem médio impacto. Deve haver uma negociação como com qualquer empreendedor. Se eles se adequassem às leis sanitárias, de instalação, poderiam ficar em qualquer local, onde estão ou em outro lugar. Não há um impedimento absoluto para que não permaneçam na área. O que tramita aqui, no MP, é em relação à regra sanitária”.

    Antônio Cesar Corrêa, gerente da Vigilância Sanitária, informa que os comerciantes foram autuados não só pelo órgão, como também pela Secretaria de Município da Fazenda. “Mas antes disso, fomos até lá e realizamos um levantamento para saber quem são e também para esclarecer que o local não é adequado, pois o Plano Diretor não permite comércio em frente ao Polo Naval. Eles não saíram. Fomos lá novamente e os autuamos junto com a Fazenda. Repassamos de novo para ver como estavam. E até o momento não temos outra posição”, disse Corrêa.

    Ao ser procurado pela reportagem, ele anunciou que haverá, nos próximos dias, uma reunião entre Vigilância Sanitária e secretarias de Município da Saúde, da Fazenda e Assistência Social, para estudar quais as medidas a serem tomadas. “São várias famílias que dependem deste trabalho. Não podemos chegar lá, simplesmente, e retirá-los. A questão é problemática e as decisões e posicionamentos devem ser cautelosos, feitos com calma”, entende Antônio Corrêa.

    Funcionamento se dá sem alvará sanitário e de instalação

    Os comerciantes do local não possuem alvará de instalação expedido pelos bombeiros, que ainda não foram até o local. E também não há uma data definida para isso acontecer. Segundo o comandante interino do Comando Regional dos Bombeiros da Região Sul, major André Ricardo Silvério, uma reunião deverá acontecer entre todos os órgãos e secretarias envolvidas nesta ação, para definir responsabilidades e ver o que deve se fazer. “Existe a obrigatoriedade do alvará para qualquer comércio. Para se obter este, no mínimo, é necessário um contrato de aluguel ou a propriedade do local, o que não é o caso desse lugar. Esta é uma situação de interdição. É contrário a tudo”.

    O comandante disse ainda que no ano passado foram realizadas vistorias em 3.300 locais e que, certamente, haverá a fiscalização naquele comércio. “Temos quatro bombeiros responsáveis por 10 bairros, fiscalizando todo e qualquer estabelecimento. Assim, também passaremos neste lugar. Como são pequenos estabelecimentos, há necessidade de um extintor e uma pessoa treinada e certificada para isso”, esclarece. Ele pondera ainda que para um comércio ser regularizado, este precisa ter o alvará dos bombeiros e também ter a Certidão de Viabilidade Técnica, expedida pelo Município. “De posse desses dois documentos, há uma fiscalização que aprova (ou não) e então é expedido e um alvará, com validade de um ou três anos”.

    Quanto à segunda questão, a instalação em área de domínio, esta é, segundo o promotor Zachia Alan, de responsabilidade da Ecosul, concessionária que explora o trecho. “Como há um contrato de concessão da rodovia, da União para a Ecosul, remetemos, no final do ano passado, à Ecosul o processo, para a tomada  de providências. É a concessionária que tem que entrar na Justiça para desocupação e retomada da área. Conosco ficou a questão sanitária, em relação à venda de alimentos sem a tomada das devidas cautelas”, afirma o promotor.

    Entretanto, contatada pela reportagem, a concessionária nega sua responsabilidade. Por e-mail, a Ecosul remeteu ao Jornal Agora a seguinte nota: “Os comércios instalados nos pontos a que se refere, estão todos fora da faixa de domínio da Ecosul, portanto, sem gerência alguma dessa concessionária. Quanto às defensas implantadas naquele local, estão para delimitar a faixa de domínio sob responsabilidade da Ecosul.”

    As defensas a que se refere a nota é o “guard rail” que foi instalado exatamente em frente ao ERG1, e que os comerciantes alegaram que foi implantado para evitar que os funcionários do estaleiro atravessassem a BR para o outro lado, onde são  oferecidos os alimentos.

     Barracos improvisados e sem estrutura oferecem refeições e lanches

    Os barracos onde estão instalados os comerciantes são improvisados. Apesar de alguns terem como piso um assoalho de madeira, outros têm apenas pallets no chão. Areia, engradados e outros objetos são acumulados embaixo dos balcões. Em alguns, a pia da cozinha é o único lugar em que funcionários e fregueses lavam as mãos. Em outros, nem isso é possível. Não há banheiros. O único que existia, improvisado por um dos comerciantes, está entupido.

    Uma proprietária de restaurante admitiu à reportagem que os funcionários utilizam um balde para as necessidades. Ao lado do “quartinho”, que serve para isso, está o balcão do buffet e as mesas.

    A precariedade é reconhecida por todos. Vera Pavelak vende apenas lanches. Sem energia elétrica e sem água, faz o que pode para manter higienizado o local. “Não tem outro jeito. Dependemos dos fregueses para manter nossas famílias, assim como eles (fregueses) de nós para se alimentarem”, aponta a comerciante. Vera Lúcia tem água no estabelecimento porque traz de casa, em tonéis. O gerador é usado para a bomba d’água, que joga esta para a caixa instalada sobre o local.

    Esta situação é similar a de todos os que se estabeleceram no local. Veridiana Teixeira da Costa, proprietária de um dos restaurantes ali estabelecidos, traz de casa, em uma Kombi, cerca de dois tonéis de água. O processo para chegar até a caixa d’água é o mesmo utilizado por Vera Lúcia. “Trago diariamente dois tonéis de água. Cada um com 200 litros”. O gerador também é usado para a televisão e os ventiladores. Veridiana também concorda que é uma situação muito precária. “Queremos nos legalizar. Queremos trabalhar”, salienta ela, que está no local há quase quatro anos.

    Como não há energia elétrica, também não há como manter alimentos e bebidas geladas. Para garantir isso, todos utilizam monoblocos de gelo.  “Eu uso diariamente, de seis a oito monoblocos de gelo”, explica.

    Todos os comerciantes que ocupam o local de forma irregular esperam que haja uma solução. E, de preferência, que seja a favor deles. Em todo caso, acreditam que não serão retirados. “Não adianta o pessoal falar que vão nos tirar. Não vamos sair daqui”, enfatiza Vera Lúcia. Sua afirmação categórica se baseia em função de duas mil assinaturas de funcionários do Polo Naval, em um abaixo-assinado para que permaneçam no local. Enquanto uma decisão não sai, a favor ou contrária, eles permanecem ali, com seu comércio irregular.

    Fonte: Anete Poll/Jornal Agora. Fotografia destacada: Fabio Dutra/Jornal Agora

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