Jefferson Klein – JORNAL DO COMERCIO
O término das audiências públicas obrigatórias para o processo de licenciamento ambiental da atividade mineradora do Projeto Caçapava do Sul, proposto pela joint venture formada entre a Mineração Iamgold Brasil e a Votorantim Metais (que detém 70% de participação na iniciativa), não significa que a discussão sobre o tema esgotou-se. O assunto, que está mobilizando principalmente os municípios da região da Campanha gaúcha, terá um novo capítulo amanhã em uma reunião promovida pela União Pela Preservação do Rio Camaquã (UPP) e pelo deputado estadual Luiz Fernando Mainardi (PT).
O evento, denominado “Jornada em Defesa do Rio Camaquã”, reunirá moradores e prefeitos das cidades ao redor, ambientalistas, deputados (entre eles o presidente da Assembleia Legislativa, Edegar Pretto – PT) e outros participantes. O encontro ocorrerá a partir das 10h, na propriedade do produtor Neco Barbosa, no Corredor da Lexiguana, na localidade de Palmas (Bagé), com acesso no quilômetro 579, da BR-153. A preocupação dos organizadores é quanto aos impactos ambientais, sociais e na área da saúde que o empreendimento implicará.
A meta da Votorantim é atingir anualmente em Caçapava do Sul, no distrito de Minas do Camaquã, uma produção de 36 mil toneladas de chumbo contido, 16 mil toneladas de zinco contido e 5 mil toneladas de cobre contido, além de uma pequena quantidade de prata. Primeiramente, a previsão era que a etapa inicial do complexo absorvesse R$ 322 milhões em investimentos, agora a companhia estima aportar R$ 371 milhões.
Os mercados alvos para a produção serão tanto o interno quanto o internacional (essencialmente a China). O concentrado de zinco será destinado ao cenário nacional e o de chumbo e de cobre para o exterior. A joint venture aproveitará o porto do Rio Grande para escoar parte de sua produção no Estado. Entre os segmentos que podem aproveitar os materiais estão os agrícolas, farmacêutico, de galvanização, de baterias de automóveis e artigos elétricos.
A área em que se pretende realizar a mineração fica localizada a cerca de 800 metros do rio Camaquã, que marca a divisa de Caçapava do Sul e Bagé, estando a cerca de 95 quilômetros do centro urbano de Bagé. “A gente espera impedir o licenciamento, até porque tecnicamente o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) está bem frágil”, enfatiza a integrante da UPP Angela Marcia Colares. Ela teme pela poluição de águas superficiais e subterrâneas e o impacto na vida silvestre. A UPP ressalta ainda que o empreendimento acabaria por mudar a matriz econômica da região da Campanha, forçando-a a abandonar sua base agropecuária para se tornar um polo de mineração. Conforme a associação, a mineradora ainda pretende captar 150 metros cúbicos por hora do rio Camaquã, provocando seu assoreamento.
Marcia considera o número de postos de trabalho a serem gerados como irrisório se comparado ao ônus ambiental. A expectativa é de que 450 empregos diretos sejam gerados na fase de operação, hoje prevista para 2020. Além disso, os royalties da exploração concentram-se em Caçapava do Sul, não sendo repassados aos municípios vizinhos como Bagé e Pinheiro Machado. Marcia reforça que não há como uma atividade dessa natureza não causar impactos na região. Outra preocupação é que a mineração possa também afetar a certificação de qualidade das carnes oriundas dos arredores, já que os animais poderiam se alimentar de pasto ou água contaminados com metais pesados.
Já Mainardi destaca que ainda há “muita lenha para queimar” quanto à discussão do projeto. O parlamentar ressalta que o processo continua em análise e pode ser barrado. “Eles não são bem-vindos e no final sairemos vencedores”, prevê. O deputado reitera que a mineração pode prejudicar a saúde humana e de animais da região. Ele espera que a iniciativa seja impedida pelos órgãos ambientais, porém, caso isso não aconteça, o parlamentar cita a alternativa da via judicial através de ações movidas por ONGs ou pelo Ministério Público. “A produção deles terá como destino outros lugares e para nós sobrarão os resíduos”, adverte.
ÓRGÃO FISCALIZADOR SOLICITA MNAIS INFORMAÇÕES AO EMPREENDEDOR
Atualmente, está tramitando dentro da Fepam o processo de solicitação de licença prévia do Projeto Caçapava do Sul, que se encontra em fase de análise e instrução. O órgão de fiscalização, após apreciação da documentação e estudos apresentados, bem como de avalições realizadas através de vistorias na área proposta para implantação do empreendimento, emitiu um parecer técnico em que constam solicitação de complementações e esclarecimentos que deverão ser apresentados pela empresa.
Segundo o chefe do Departamento de Controle da Fepam, Renato das Chagas e Silva, a companhia exibiu um cronograma para atendimento de todas as solicitações constantes no parecer, sendo que uma boa parcela delas será apresentada durante este ano e a última parte deve ser entregue até fevereiro de 2018. Somente após a apresentação dessas informações, a Fepam poderá dar seguimento à avaliação do pedido de licença prévia visando um posicionamento final quanto ao mesmo.
Silva comenta que as cinco audiências públicas já realizadas sobre o tema tiveram uma participação muito expressiva da sociedade, nas quais ocorreram manifestações orais e por escrito. No caso de um empreendimento do tipo de Caçapava do Sul, frisa o chefe do Departamento de Controle, é preciso levar em consideração todas as possibilidades de impactos e interações que terá com o meio ambiente e a região. “Podemos citar os aspectos relativos ao meio físico, biótico e socioeconômico”, aponta.
Silva revela que, entre as diversas complementações solicitadas pela Fepam, um capítulo se refere justamente a uma série de estudos e detalhamentos para ser possível tomar uma posição segura quanto a não contaminação das águas por metais pesados. “Esta é uma condicionante fundamental para a segurança ambiental desta atividade, assim como outras questões envolvendo a implantação deste empreendimento”, conclui.
COMPANHIA MINERADORA FRISA QUE ATIVIDADE É SEGURA
A Votorantim acredita que o esclarecimento quanto às características do Projeto Caçapava do Sul permitirá tranquilizar as pessoas que de alguma forma têm interesse no empreendimento. “É uma atividade segura, todos os riscos são levantados e são propostas medidas de controle e planos de monitoramento”, sustenta o líder do Projeto, Paul Cézanne.
Ou seja, segundo a companhia, em condições normais de operação, a atividade não gera a contaminação com metais pesados. Cézanne salienta que não haverá descarte de rejeitos no rio Camaquã. O projeto prevê um sistema de drenagem das áreas industriais em circuito fechado. Além disso, a Votorantim enfatiza que é um mito a afirmação de que o rio Camaquã será assoreado, pois a captação de água será de apenas 0,05% da vazão dele.
Cézanne considera um processo natural as manifestações contrárias ao empreendimento. “Precisamos esclarecer o maior público possível, estar à disposição das pessoas para informar a respeito do projeto”, diz o executivo. Cézanne argumenta que algumas manifestações são devidas à falta de informação adequada. “A gente sabe que com projetos de mineração, principalmente nos últimos anos, acontece das pessoas terem uma preocupação maior”, considera.
Contudo, o dirigente ressalta que não é possível ocorrer em Caçapava do Sul o mesmo que em Mariana (MG), que sofreu recentemente um gigantesco desastre ambiental com o rompimento de uma barragem, pois o complexo no Estado não terá esse tipo de estrutura. Se tudo transcorrer como o esperado pela empresa, o projeto no município gaúcho deve conquistar a licença prévia em meados do próximo ano, em 2019 a de instalação e 2020 a de operação. Ao todo, o depósito mineral possui 29 milhões de toneladas de minério. A extração desses recursos se dará em uma mina a céu aberto, com vida útil prevista de 20 anos.