Em pesquisa, as empresas revelam intenção de ampliar a utilização de cabotagem

    Movimentando menos de 10% da carga nacional, o transporte por navio pela costa do País (cabotagem) tem demanda para crescer. Segundo estudo do Ilos – Instituto de Logística e Supply Chain -, 68% dos usuários de transporte de cargas pretendem aumentar o volume movimentado por cabotagem nos próximos dois anos. Foram ouvidas 100 companhias de variados portes e setores. Entre os entrevistados que preveem expansão, a intenção é elevar o volume de carga em 36%, na média.

    De acordo com o levantamento, a rota com maior potencial de ampliação no Brasil é Manaus-Santos-Manaus. A capital do Amazonas, sede da Zona Franca, não possui acesso por estradas desde o Sudeste. Em 2011, foram movimentados 193 milhões de toneladas por cabotagem, após um incremento médio de 4% ao ano desde 2004. No entanto, para seguir crescendo, será preciso ampliar a infraestrutura, tanto com mais portos quanto com terminais associados e ferrovias e rodovias de acesso, na visão do diretor de negócios do Ilos, João Guilherme Araujo.

    Entre os entraves, a demora no trânsito das cargas e a falta de infraestrutura são apontadas pelos empresários como os principais problemas da cabotagem. Araujo também chama atenção para a questão da burocracia, que 52% dos entrevistados citaram como uma dificuldade. O diretor do Ilos comenta que não há uma regulação eficiente para o transporte multimodal (em diferentes meios) e que o de cabotagem recebe tratamento equivalente ao do comércio exterior, com descrições detalhadas de produtos nas notas fiscais e discriminação de impostos. O mesmo não ocorre no transporte rodoviário de longa distância.

    O vice-presidente executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), Roberto Galli, soma-se aos que percebem o desenvolvimento da cabotagem nos últimos anos. “Esse crescimento deve ser potencializado pela previsão do aumento do número de embarcações empregadas neste modal de transporte”, prevê o dirigente. Conforme Galli, as recentes alternativas logísticas ofertadas ao mercado pelos armadores têm propiciado a transferência de cargas tradicionalmente rodoviárias para a cabotagem.

    Com o propósito de atender a esse potencial de demanda reprimido, os armadores vêm investindo na renovação e no aumento de capacidade de suas frotas mercantes. O programa Empresa Brasileira de Navegação (EBN) permitirá a construção, pela iniciativa privada, de 39 navios nos próximos dez anos. Outra importante iniciativa de construção apontada pelo vice-presidente executivo do Sydarma, o Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro (Promef), possibilitará, também no mesmo período, a inclusão de 49 novas embarcações na frota dessa estatal.

    Galli salienta que quase a totalidade das novas unidades na cabotagem está associada ao transporte de óleo e seus derivados. “Assim vemos a necessidade de criar mecanismos de afretamento às cargas que não se refiram a óleo, de modo a induzir maior participação da cabotagem na sua logística”, sustenta. No Brasil, o dirigente relata que as cargas que mais utilizam a cabotagem no momento são itens como óleos minerais, combustíveis, madeira, celulose, entre outros.

    O vice-presidente executivo da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac), André Mello, concorda que há muito espaço para evoluir. Para ele, segmentos nos quais as cargas encontram-se acima de 1,5 mil quilômetros de distância e a 200 quilômetros da costa têm potencial de migrar para a cabotagem de contêineres. “E a ascensão da classe C deve contribuir para isso, já que amplia o consumo em geral”, antecipa o dirigente. Mello diz que, nos próximos cinco anos, a expectativa é de que o setor cresça, pelo menos, 10%. O dirigente indica como as principais vantagens dessa área frente a outras opções logísticas: o menor custo no transporte, maior segurança na entrega (índices quase nulos de roubo de carga) e menos avarias nos produtos.

    Entretanto, o representante da Abac salienta que há muitos fatores a serem melhorados para que a cabotagem de contêineres possa ter um incremento ainda maior. Um deles é a burocracia. “Enquanto em outros modais, como o rodoviário, os contratos são firmados de forma simples e ágil, na cabotagem existem exigências burocráticas – semelhantes às da importação de produtos -, o que onera e atrasa o serviço”, lamenta o dirigente. Além disso, a falta de estrutura e a sobrecarga dos portos brasileiros são entraves importantes ao desenvolvimento do setor. “É necessário também rever a política de combustíveis, que hoje é claramente subsidiada no País, beneficiando o rodoviário, de forma a adequá-la à cabotagem”, conclui.

    Porto do Rio Grande estima aumento da movimentação pela costa para 12%

    No último ano, o Porto do Rio Grande atingiu seu recorde operacional com a movimentação de cerca de 30,4 milhões de toneladas em cargas. Tendo em vista o tipo de navegação, a cabotagem foi responsável por 2,1 milhões de toneladas desse total. O superintendente do Porto do Rio Grande, Dirceu Lopes, revela que a perspectiva é de que a cabotagem tenha uma representatividade ainda maior até o final de 2012. 
    O dirigente estima que esse modal alcançará uma participação de cerca de 12% das cargas movimentadas pelo Porto do Rio Grande neste ano. A movimentação total pelo complexo deve atingir algo em torno de 28 milhões de toneladas, número inferior ao de 2011 devido aos impactos causados pela seca, que reduziu a safra de grãos.

    Entre as principais cargas deslocadas por cabotagem e que passam pelo Estado hoje estão arroz, trigo, sal, granéis líquidos, entre outras. Os destinos mais procurados, saindo de Rio Grande, são os estados nordestinos. Para Lopes, esse é um momento propício para discutir a questão da cabotagem, já que o País poderá ter que enfrentar o risco de um apagão logístico, se ele mantiver crescimentos expressivos quanto à sua economia.

    O superintendente ressalta que não se trata de uma substituição de modais, mas de uma complementariedade. “A carga não está do lado do porto, ela terá que ir até lá de caminhão”, enfatiza o superintendente. Ele cita como uma vantagem do transporte por cabotagem a possibilidade de obter uma escala maior de volumes. Lopes critica o fato de o Brasil ainda não utilizar todo o potencial que possui nesse setor.

    Ele ressalta que o Brasil possui uma extensão de mais de 7,4 mil quilômetros de costa e a maioria dos centros de produção encontra-se a menos de 500 quilômetros do litoral. “A nação aponta para uma vocação marítima”, argumenta o dirigente. Lopes defende uma revolução do conceito da cabotagem no Brasil. Ele sustenta que é preciso implementar uma política de governo para pensar a logística de uma forma integrada. O superintendente lembra que muitas cargas, atualmente, saem do Rio Grande do Sul e vão até o Norte e Nordeste pelo modal rodoviário (ele calcula que isso abrange em torno de 3 mil caminhões por mês) e que essas mercadorias poderiam ser deslocadas pela cabotagem. “Esse cenário acontece por diversas razões, até pelo foco dado ao modal rodoviário e o não investimento no transporte de cabotagem”, justifica.

    Menor impacto ambiental é apontado como uma das vantagens

    Em um momento em que a questão ambiental é tão valorizada, a cabotagem é vista como um meio de transporte menos agressivo. O gerente nacional de cabotagem da Aliança Navegação e Logística, Jaime Batista, que esteve em Porto Alegre participando de seminário sobre o modal, relata que uma carga de 1 mil toneladas de arroz, movimentada entre Pelotas (RS) e Fortaleza (CE) pelo modal rodoviário implicará emissão de 225 toneladas de CO2. Se for adotada a cabotagem, esse volume cai para 70 toneladas.

    Batista cita como desafios a serem superados para o desenvolvimento da cabotagem no País questões como o custo de combustível, no qual incidem tributos como a Cide e o ICMS, e uma demanda maior do que a oferta de mão de obra para a tripulação. Além disso, ele cita a burocracia com a atividade, que é submetida ao Siscomex Carga (sistema da Receita Federal de controle da movimentação de embarcações, cargas e contêineres vazios transportados via aquaviária, em portos brasileiros) e às determinações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

    “O tripé confiabilidade, competitividade e sustentabilidade é o que as empresas buscam e é o que a cabotagem tem para oferecer”, diz Batista. A Aliança Navegação e Logística (controlada pelo Grupo Hamburg Süd e com sede em São Paulo) foi a pioneira no serviço regular de carga em contêineres ao longo da costa brasileira, iniciando o serviço em 1998. Depois, mais três armadores passaram a operar regularmente: Log In, Mercosul Line e Maestra. Essas empresas operam 19 navios, que atendem semanalmente aos principais portos de Manaus a Rio Grande. Estão em construção ou em fase de contratação mais nove embarcações, com capacidade média de 2,5 mil TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) cada para operação exclusiva na costa brasileira. O total de movimentação de contêineres na cabotagem nacional atualmente é de, aproximadamente, 600 mil TEUs por ano.

    Características dos navios dificultam combinação com navegação interior

    O fato de o Rio Grande do Sul contar com uma das melhores malhas hidroviárias do País gera indagações sobre o não aproveitamento do modal para embarcar cargas nos portos de Estrela e da capital gaúcha para destinos mais distantes, como o Norte e Nordeste brasileiro. O grande empecilho para que isso se concretize são as diferenças entre os navios utilizados nas duas práticas.

    O presidente do Conselho de Administração da Trevisa (controladora da empresa gaúcha Navegação Aliança), Fernando Ferreira Becker, esclarece que embarcações construídas especificamente para a navegação interior não têm condições de operar no mar. Os navios que atuam no oceano precisam de uma potência maior para superar obstáculos como as elevadas ondas. Além disso, as tampas dos porões precisam ser reforçadas.

    Ele informa que a companhia foca a navegação interior, e um dos motivos são justamente os elevados custos envolvidos com a cabotagem. A empresa, normalmente, leva pela hidrovia a carga até Rio Grande e ali ela é colocada em embarcações de maior porte para fazer o longo curso. O dirigente afirma que, a respeito de navegação, seja interior, cabotagem ou de longo curso, “nada está satisfatório no Brasil”. Para ele, a legislação defasada e a falta de visão em relação aos benefícios com o aproveitamento da navegação formam esse cenário.

    Aliança investe em novas tecnologias para melhorar os processos

    A tecnologia é uma ferramenta utilizada pela Aliança Navegação e Logística para desenvolver a cabotagem. Para facilitar a comunicação e agilizar ainda mais os processos operacionais, a companhia passou a utilizar, em 2011, o EDI (Intercâmbio Eletrônico de Dados) com o objetivo de aumentar a eficiência na troca de informações entre a companhia e os clientes da cabotagem.

    Desde então, a Aliança tem desenvolvido interfaces de EDI que aumentam a efetividade do transporte com vários clientes e, atualmente, disponibiliza o programa para Dados de Notas Fiscais (Notfis), Dados de Notas Fiscais Eletrônicas (NF-e), Conhecimentos Embarcados (Conemb), Documento de Cobrança (Doccob), Ocorrência na Entrega de Mercadorias (Ocoren) e Posição da Viagem (Posvia).

    De acordo com o gerente de cabotagem da Aliança, Gustavo Costa, os principais clientes dos segmentos eletroeletrônicos e siderúrgico são os maiores parceiros no EDI da cabotagem. “Contamos também com sistemas de EDI com nossos parceiros nas interfaces operacionais, possibilitando identificar possíveis não conformidades como atrasos no carregamento da carga, entrega, chegada no cliente, tempo de desova do contêiner. Assim, temos como adotar ações corretivas de forma antecipada, além de atender às requisições específicas dos clientes no que se refere à informação”, explica.

    Segundo o executivo, com o EDI ocorre apenas uma única entrada manual de informações na origem, evitando assim erros nas demais etapas do processo, uma vez que a absorção dos dados é feita automaticamente tanto na Aliança quanto nos clientes. “Além disso, com o uso do EDI, incentivamos o comércio eletrônico e a utilização de novas tecnologias, padronizando o relacionamento entre empresas, planejando a logística de entrega pela recepção antecipada da informação”, ressalta Costa.
    Fonte: Jefferson Klein (Jornal do Comércio) com agências
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