ABATE DE CAVALOS NO RS É CADA VEZ MAIS RARO

    Mercado teve declínio considerável na última década e ainda deve enfrentar novos obstáculos comerciais /DANIEL MIHAILESCU/AFP/JC – Jornal do Comércio

    JORNAL DO COMERCIO – SAMUEL LIMA

    O município gaúcho de São Gabriel, na região da Campanha, ainda guarda uma prática cada vez mais rara no território brasileiro: o abate de cavalos para exportação. É lá que funciona o frigorífico Foresta, o único a manter esse tipo de atividade no País, ao lado do Prosperidad, em Araguari (MG). O setor, que já chegou a vender 20,5 mil toneladas de carne de equídeos, em 2004, para países onde ela é considerada iguaria, teve declínio considerável na última década – que tende a se acentuar com a recente suspensão da União Europeia (UE) à importação do produto, alegando problemas de higiene nos estabelecimentos e nos registros de tratamento dos cavalos abatidos com remédios.

    De acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a exportação brasileira de carne de cavalo encolheu mais de sete vezes no período, considerando as 2,7 mil toneladas embarcadas em 2016. Além disso, dos seis estabelecimentos autorizados para o abate no Serviço de Inspeção Federal (SIF), apenas as duas plantas citadas acima ainda operam.

    A explicação para os números está nas exigências do mercado, segundo o professor do departamento de economia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) Roberto de Souza Lima. Os países compradores, principalmente na Europa, teriam endurecido quanto a critérios de rastreabilidade, como histórico de vacinação. “Esquentou a papelada. Restringiu o que se poderia abater”, afirma ele.

    A situação é ainda mais crítica para o segmento pelo fato de que os produtores não criam esse tipo de animal para abate, ao contrário da pecuária de corte bovina, o que faz com que os registros sejam ainda mais escassos. Não vale a pena, já que os cavalos são animais mais enérgicos e a conversão alimentar (quantidade de alimento necessária para o ganho de peso) é baixa, sem falar no baixo retorno financeiro pelo quilo. Lima conta que a prática mais comum é que compradores dos frigoríficos abordem donos de cavalos velhos na região para efetuar o negócio ou mantenham alguns “fornecedores” regulares, que já conhecem o funcionamento do negócio e procuram uma destinação aos equídeos que não servem mais para o trabalho rural.

    Após visita técnica da UE a frigoríficos brasileiros em maio, porém, motivada pela Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, o bloco econômico decidiu suspender completamente a compra de carne de cavalo do País – o que também foi encarado como uma ameaça de que punições maiores ao setor poderiam vir, pressionando o governo a cobrar adequações na indústria da carne bovina, suína e de aves. Tanto o Foresta quanto o Prosperidad sentiram o impacto da medida, que pode ser observada nos dados de comércio exterior. Foram exportadas 87,5 toneladas e 54,7 toneladas de carne de equídeos em junho e julho, respectivamente, enquanto que os meses superaram as 200 toneladas nos anos mais recentes.

    Nesse meio tempo, o Foresta chegou a interromper as operações, por cerca de um mês, dando folga aos 115 funcionários, por conta do embargo da Comunidade Europeia. As atividades foram retomadas normalmente, de acordo com a direção do mesmo, sem especificar números, mesmo que não haja perspectiva de retomada da compra pela UE antes de novembro, quando nova missão técnica deve se apresentar no Brasil. A estimativa é que 50 a 60 cabeças sejam abatidas por dia. O diretor do frigorífico não atendeu à reportagem.

    O mineiro Prosperidad também sofreu o impacto da perda do mercado da União Europeia. Conforme fonte da superintendência do Ministério da Agricultura em Minas Gerais, a planta estaria operando com capacidade “bem baixa” e direcionando as vendas para Hong Kong e, em formato de ração, a países sul-americanos. A empresa também não retornou as ligações para comentar o assunto.

    ATIVIDADE ENFRENTA RESISTÊNCIA NO RS

    Quando o grupo estrangeiro que comanda o frigorífico Foresta decidiu começar os abates de cavalos em São Gabriel, em meados da década de 1990, parte da comunidade na região entrou em choque. Afinal, o cavalo crioulo é um dos símbolos oficiais do Rio Grande do Sul, e a simples imagem do sacrifício da espécie para consumo, ainda que externo, era absurda para muitos. “Os mais tradicionalistas não queriam. Nos municípios de maior expressão, nos CTGs e piquetes, teve uma reação muito grande. Depois disso, foi ficando mais natural – o pessoal aceitou mandar os animais velhos, que não dão para o serviço, ou que não foram domados.

    Mas, até hoje, existe quem não vende de jeito nenhum, deixa morrer no campo”, conta o presidente do Sindicato Rural de São Gabriel, Tarso Teixeira. O próprio dirigente, criador de bovinos das raças angus, devon e braford, de ovinos da raça Île de France e produtor de soja e arroz nos municípios de São Sepé e São Gabriel, diz ter encaminhado cerca de 50 animais ao Foresta desde que foi aberto. “Apesar do gaúcho ser muito apaixonado pelo cavalo, é uma renda”, afirma ele. O pai, no entanto, “não vendia, não gostava”, lembrando que o Estado teve estabelecimentos com a atividade, anos antes, nos municípios de Pelotas e Bagé.

    O preço pago pelo quilo do equino gira, atualmente, em torno de R$ 1,00. É um valor baixo em comparação com o quilo vivo do gado para abate no Estado, por exemplo – R$ 4,74, pelo informativo mais recente da Emater-RS. E não há bonificações quanto à raça ou aos parâmetros de qualidade na hora da venda no campo, ainda segundo Teixeira. O chefe do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura no Estado, Leonardo Isolan, defende a continuidade das operações, por este representar um caminho oficial para sacrifício de equinos de descarte. “É interessante que exista, para ter um fim legal e organizado para os equinos, acompanhando a história do cavalo e evitando doenças”, argumenta. O processo é similar ao abate de bovinos, e um médico veterinário do SIF faz a análise diariamente lotado na planta. O órgão esclarece que é proibido o abate de equinos que são movimentados para esporte (corridas) e que tenham recebido medicamentos nos últimos seis meses (no caso da UE).

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